III Fórum Nacional Contra a Violência Doméstica
Evento contou com cerca de duas centenas de participantes
Da responsabilidade da CIG, decorreu, nos dias 23 e 24 de novembro, nas instalações da Polícia Judiciária, o III Fórum Nacional Contra a Violência Doméstica.
Revelando intensa participação, mais de duas centenas de pessoas assistiram ao evento. Os dois dias caracterizaram-se pela partilha de diferentes saberes teóricos/práticos e, ainda, por uma ampla reflexão, por forma a ultrapassar os obstáculos que teimam em permanecer.
A sessão de abertura do evento foi da responsabilidade de:
Luís Neves, Diretor Nacional da Polícia Judiciária, salientou que a “violência doméstica é um flagelo social que nos envergonha”, havendo por isso necessidade de “colaboração em rede entre as instituições e os diferentes atores intervenientes”. Neste sentido, destacou o “trabalho da RNAVVD: uma rede que transmite tranquilidade e confiança às equipas de investigação criminal (PJ, PSP, GNR)”, em que a “PJ intervém, no contexto de VD, quando se trata de crimes como sequestro, crimes sexuais e homicídios tentados ou consumados”. Realçou, ainda, a importância da PSP e da GNR pela sua proximidade com as populações e acesso a informação de maior proximidade. Deste modo, salientou que “devemos trabalhar no sentido de dar à vítima uma resposta, é essa a nossa obrigação. Esta é a mensagem transmitida internamente, focada numa abordagem humanista e no cumprimento da lei”.
Nuno António Gonçalves, Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, reconheceu que a Violência Doméstica “não é um fenómeno novo, foi normalizado pelo patriarcado” e “afeta desproporcionalmente as mulheres e raparigas”. No seu combate, salientou a importância central da “Convenção de Istambul, nomeadamente na dimensão jurídica”, embora não seja de desvalorizar “o ordenamento jurídico português (que) está dotado de uma série de mecanismos que visam a proteção e reparação das vítimas”. Admitiu que o “crime de Violência Doméstica é por natureza considerado um crime de criminalidade violenta”, por isso há “necessidade de investir na especialização de Procuradores/as, Forças de Segurança e Juízes”, lamentando estes últimos pelo facto de não reconhecerem esta necessidade. Referiu, ainda, “exemplos de tribunais especiais relativos ao crime de violência doméstica”, colocando estes exemplos como possibilidade de serem uma solução. Por fim, advertiu que a “VD deve ser uma questão do Estado e não ser incluída na luta partidária”.
Lucília Gago, Procuradora-Geral da República, numa extensa intervenção, salientou o “reconhecimento global de que a violência contra pessoas, em particular a VD, continuará a exigir esforço dos Estados”. A Convenção de Istambul é, desde 11 agosto de 2014, “a lei vigente em Portugal; é um tratado internacional de direitos humanos. É de direitos humanos, de criminalidade violenta e especialmente violenta que falamos”, sem deixar de referir que o “GREVIO é inequívoco no reconhecimento de boas práticas de intervenção em Portugal, pese embora ainda haja espaço para melhorias”.
Imbuída neste espírito salientou algumas iniciativas da Procuradoria Geral da República que evidenciam que o combate à VD é uma prioridade para o Ministério Público, nomeadamente:
- Criação de estratégias de combate à VD;
- Assinatura de protocolos com ONG’s para a criação de gabinetes de apoio a vítimas nos DIAP;
- Emanação da diretiva 5/2019 da PGR (que concretiza diretrizes hierárquicas de dimensão funcional);
- Criação das SEIVD;
- Celebração de parceria funcional com a unidade de informação criminal da PJ relativa aos homicídios em contexto de VD;
- Reconfiguração do gabinete de coordenação da PGR que passou a contemplar o combate à VD;
- Grupos de trabalho: Relatório da CTM e instrumentos práticos (daí resultando o Manual Atuação 72h e Guia de Intervenção Integrada com crianças e jovens) e os novos
- Modelos de estatuto para vítimas de VD, criação de novo auto do crime de VD. E ainda a BDVMD e avaliação da ficha de avaliação de risco.
Destacou ainda que “a qualidade e eficácia necessitam de meios. Faltam recursos nas OPC e na liderança da investigação criminal, nomeadamente no MP”. Também reconheceu que “existem défices formativos e dificuldades de articulação”. Na sequência desta reflexão disse que “é urgente compreender que os gabinetes nos DIAP são insuficientes face ao volume de trabalho. Não é satisfatório apenas a existência de 8 GAV nos DIAP com apenas 1 técnico em cada um deles.” Terminou a sua intervenção alertando que “a VD exige a concretização de decisões políticas adequadas que possam evidenciar a melhor atuação a este nível. Todos os dias se salvam pessoas, contudo o fenómeno continua a gerar vítimas mortais.”
Sandra Ribeiro, Presidente da CIG, reconheceu que “estamos a falhar porque os dados mostram isso mesmo – não estamos a conseguir eliminar os preconceitos de género, a baixar o número de vítimas mortais”. Afirmação que é reforçada pela constatação de que “é o crime que mais vítimas mortais gera no nosso país”, demonstrando que a situação é “grave (e) que carece de (…) urgência nacional”, porque a “VD não é um fenómeno para gerir, mas sim para erradicar”. Adverte que “precisamos mesmo de criar uma narrativa coletiva de tolerância zero à violência de género!”
A resposta da justiça à violência doméstica: caminhos percorridos e trilhos futuros
Paula Fernando, Observatório Permanente da Justiça
De seguida procedeu-se ao início dos trabalhos com Paula Fernando, do Observatório Permanente da Justiça, que focou a sua intervenção na partilha das principais conclusões do “Estudo Avaliativo Sobre o Impacto das Medidas Aplicadas às Pessoas Agressoras”. Este trabalho tem como objetivo “conhecer o impacto das medidas aplicadas, procurando refletir sobre a realidade nacional de acordo com as soluções adotadas por outros países das UE e produzir Recomendações para a promoção de Políticas Públicas de prevenção da VD e violência de género.”
Desde logo verifica-se que “nos últimos 15 anos, a VD está no centro dos instrumentos de Política Criminal”, destacando-se “as medidas e instrumentos criados a partir de 2019”.
Contudo há ainda necessidade de afinar algumas áreas, nomeadamente:
- a avaliação de risco;
- a mobilização de diferentes instrumentos;
- a formação e capacitação dos profissionais;
- a articulação e resposta integrada.
Face aos resultados este trabalho deixa-nos com um conjunto de Recomendações de mudança ao nível:
- da necessidade de repensar o modelo de organização da intervenção;
- de boas práticas para a melhoria da resposta integrada.
Avaliação das/os participantes.
A resposta da justiça à violência doméstica: caminhos percorridos e trilhos futuros
Recomendações do Conselho Económico e Social para a área da Justiça
Lina Coelho, relatora do Parecer sobre Violência Doméstica
Dia 24 iniciou-se com Lina Coelho, Relatora do Parecer sobre Violência Doméstica, que falou sobre as “Recomendações do Conselho Económico e Social para a área da Justiça”. Lina Coelho realçou que “é um Parecer abrangente que não se foca apenas nos aspetos jurídico legais, mas também num conjunto de áreas relevantes para esta temática”, concluindo com um conjunto de Recomendações para todas as áreas e domínios. Considera o “fenómeno da VD estrutural e permanente, que se transforma com as mudanças inerentes aos avanços das sociedades e economias, de que é exemplo a ciberviolência”. Apesar dos significativos avanços legislativos, medidas e reformas “pensadas de forma integrada” há que implementá-las e reequacionar posturas cristalizadas, nomeadamente o “Crime de VD não é considerado pelos tribunais como crime extremamente violento, quando realmente é.” Disse ainda que “a cooperação e o diálogo são determinantes para o combate à VD”.
Depois de uma extensa explanação, concluiu-se que na abordagem ao fenómeno VD há a “necessidade de uma visão de conjunto; a formação dos diferentes atores envolvidos é de importância fundamental, há a necessidade imperiosa de melhorar e homogeneizar a articulação entre MP e OPCs”.
Avaliação das/os participantes.
Recomendações do Conselho Económico e Social para a área da Justiça
A intervenção da Polícia Judiciária no crime de Violência Doméstica
João Oliveira, Diretor da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária
João Oliveira, Diretor da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária, referiu que “o crime de VD normalmente envolve outros crimes graves e é fundamental dar visibilidade a esses crimes, de forma a não beneficiar o agressor e desrespeitar a vítima”. “Há a necessidade de comunicação rápida à PJ e preservação rigorosa do local do crime para que a inspeção decorra em plenas condições”, reforçou, acrescentando que “a investigação criminal tem de contribuir decididamente, com o trabalho técnico, para um pleno trabalho da justiça, nomeadamente contribuindo para a prevenção especial, geral e contribuir para a paz geral”. Realçou a necessidade de formação de todos os atores envolvidos e “uma boa e plena articulação na justiça”, concluindo que “a VD não pode ser um eufemismo para as situações de homicídio conjugal.”
Avaliação das/os participantes.
A intervenção da Polícia Judiciária no crime da Violência Doméstica
Mesa Redonda – Formação de profissionais da Justiça: que estratégia?
A manhã terminou com a mesa-redonda: Formação de profissionais da Justiça: que estratégia? que contou com as intervenções de Ana Pinto Leal, do Centro de Estudos Judiciários, Ana Cláudia Cáceres, do Conselho dos Oficiais de Justiça, e Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados. A moderação esteve a cargo de Ana Luísa Rodrigues, jornalista da RTP. Depois de uma intensa exposição, provocando uma intensa participação, sumariamente concluiu-se que:
- Há a necessidade de pensar na obrigatoriedade da formação em VD por parte dos/as profissionais de justiça;
- Há a necessidade de reforço dos meios humanos e técnicos/as;
- Há a necessidade de reforço do trabalho em rede e colaborativo.
Avaliação das/os participantes.
Mesa Redonda: Formação de profissionais da Justiça: que estratégia
Workshops – Apresentação das conclusões
Um dos momentos de interseção de experiências mais rico foi o partilhado nos Workshops que deram início aos trabalhos da tarde, às 14h30. O envolvimento dos grupos foi tal que nenhum terminou à hora prevista, às 16h30, estendendo-se por mais uma hora.
Os Workshops foram momentos de profunda partilha de experiências e produziram fecundas conclusões, de que apresentamos apenas algumas de cada um dos grupos:
A credibilização da narrativa da vítima: a falsa questão da falsa notícia.
Prof. Celina Manita
- A repetição do testemunho promove a mudança de discurso ao longo do tempo, levando a conclusões erradas sobre a veracidade do testemunho;
- A falta de compreensão sobre o comportamento das testemunhas, que estão perturbadas e exaltadas, e são, por isso, percecionadas como falsas denuncias;
- A descrença das vítimas no sistema de justiça;
- Promoção da intervenção com os agressores como intervenções complementares às medidas de proteção das vítimas.
Reforçar a confiança das vítimas no sistema de Justiça: que estratégias?
Juíza Desembargadora Cristina Almeida Sousa
- Os juízes devem envolver-se com todos/as os/as intervenientes judiciários e todos/as os/as que trabalham junto das vítimas; é necessário melhorar a comunicação entre técnicos, magistrados e Juízes;
- Justiça adaptada às crianças (relatos genuínos e espontâneos); • Prova pericial e declarações para memória futura devem ser urgentes (vítima ouvida em 72 horas…);
- Impacto na Saúde Mental;
- Efeitos de longo prazo, sequelas emocionais ao longo da vida da vítima de VD.
A articulação entre RNAVVD e a Justiça: o que está por fazer?
Procurador Miguel do Carmo
- Justiça distante; RNAVVD como corpo estranho;
- Maior diálogo entre Justiça e RNAVVD; fortalecer a articulação entre a RNAVVD e Tribunais; modelo de diálogo entre todos os intervenientes do sistema, conjugar soluções sociais e judiciais;
- Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV) nas policias e tribunais [os GAV nos tribunais têm sido um modelo interessante e bem recebido];
- RNAVVD necessita de: ser credibilizada (estatuto), de promover a sua atuação, de mais meios humanos e financeiros, de maior divulgação;
- Existem dificuldades de comunicação entre os Órgãos de Polícia Criminal (OPC) e o Ministério Público (MP).
A institucionalização da vítima: panaceia para a segurança ou revitimização?
Procuradora Teresa Morais
- Foco na vítima, porque é que tiramos a vítima de casa? Estamos a colocar o ónus da segurança na vítima; temos a solução legal de tirar o agressor de casa;
- O agressor, ao impedir a vítima de regressar a sua casa, está a cometer um ato de violência doméstica, que nós estamos a perpetuar e a ser cúmplices;
- Porque desconfiamos da vítima? Desconfiança e responsabilização na vítima; respeito básico pela vontade da vítima (cuidado com a paternalização da vítima); •A avaliação de risco: quando uma vítima aparece no sistema ela já é vítima, já não está numa fase de risco; não podemos esperar pelo risco real e imediato, ele é um pressuposto;
- Porque é que não consideramos o auto de notícia como elemento de prova? A importância da primeira resposta na produção de prova;
- “A violência doméstica é um crime de homicídio a prestações”.
O que necessita mudar na lei para termos um sistema mais protetivo das vítimas?
Paulo Brandão, Vice-Presidente da Delegação do Conselho Regional da Ordem dos Advogados
- O principal problema não está na insuficiência da lei, mas na sua implementação. Faltam recursos, incluindo humanos, para respeitar os tempos da intervenção;
- Necessidade de melhorar a comunicação entre tribunal e ministério público, principalmente em processos conexos; melhor articulação entre todos os atores envolvidos nos processos;
- Passar a ser regra a prestação de declarações para memoria futura – para promover a produção de prova;
- A RNAVVD é manifestamente insuficiente;
- Criar programas de apoio e reinserção de agressores no âmbito da RNAVVD; criação de uma casa de apoio ao agressor, de modo a evitar a retirada das vítimas e dos seus filhos da casa de morada de família;
- Necessidade de sensibilizar o poder político para as melhorias necessárias.
Avaliação das/os participantes.
A credibilização da narrativa da vítima: a falsa questão da falsa denúncia
A institucionalização da vítima: panaceia para a segurança ou revitimização
Reforçar a confiança das vítimas no sistema de justiça: que estratégias
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O que necessita mudar na lei para termos um sistema mais protetivo das vítimas?
A articulação entre a PNAVVD e a Justiça: o que está por fazer
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Conclusões dos workshops pelos/as relatores/as dos Grupos de Trabalho
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Conclusões finais
Sandra Ribeiro, Presidente da CIG
Sandra Ribeiro, Presidente da CIG, na conclusão de dois dias intensos de trabalho com diversos/as especialistas de diferentes áreas, salientou o propósito de se encontrarem propostas para melhorar o combate à VD. Um combate que é de todos/as nós.
Reforçando que, no nosso país, a VD é o crime que anualmente mais denuncias e mortes provoca. As reflexões, acompanhadas de propostas, foram consistentes e vão ser objeto de análise para a sua implementação no sentido de reforçar este flagelo. Concluiu: “não podemos ficar indiferentes!”
Avaliação das/os participantes.
Conclusões finais
Sessão de Encerramento
Jorge Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Justiça
Por último Jorge Alves Costa, Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, salientou que para o Ministério e para o Governo, e de acordo com o seu Programa, a questão da VD é uma prioridade. Para além de medidas de natureza jurídica, foi proposto para se inscrever no OE a verba de 3,4 milhões de Euros para o reforço no combate à VD. Foram criados mais dois gabinetes de atendimento à vítima prevendo-se uma totalização de 10 para 2024. Há que apostar no pilar da prevenção, tanto a nível da família, como nos domínios profissionais. A prevenção e uma investigação célere e eficaz e, ainda, a proteção da vítima são as apostas deste Governo.
Mensagem da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues
Avaliação global do Fórum