A CIG chegou aos 40 anos e ainda há tanto por conquistar
Ana Borges e Dina Canço
A 17 de novembro, deste ano, a CIG faz 40 anos. Longevidade institucional a saudar. E é isto mesmo, uma data institucional. Data que comemora a publicação do Decreto-Lei n.º 485/77, de 17 de novembro, que institucionaliza a Comissão da Condição Feminina (CCF). Mas a CCF já tinha nascido. É como se a criança nascesse e só a registassem uns anos mais tarde…de resto, ela até já sabia andar. Não, não se trata de uma questão de género (sabemos da impiedosa exigência feita às mulheres: sejam sempre jovens!), neste caso, foi mais uma questão burocrático-política. Pois, afinal, a CCF nasceu em 1975.
A estória da fundação desta instituição é, até, mais interessante…
Corria o ano de 1970, Portugal vivia a chamada “Primavera Marcelista”, Salazar já tinha falecido e o seu lugar era ocupado por Marcelo Caetano. Uma brisa de mudança deslizava nos corredores do poder. Através de um certo movimento de sedução (devido à persistente recusa de independência das chamadas “províncias ultramarinas”, as relações das instâncias internacionais com Portugal eram permanentemente tensas), Portugal propõe-se saber qual a situação das mulheres portuguesas.
O Ministério das Corporações e da Previdência Social fala, então, com o seu Gabinete de Planeamento, atribui-lhe a incumbência de propor uma Regulamentação do Trabalho Feminino e convida Maria de Lourdes Pintasilgo (MLP) para este desafio. Na época, MLP era consultora, naquele Ministério, junto do Secretário de Estado do Trabalho e Previdência. Sensível às difíceis condições das mulheres trabalhadoras, pois tinha-o observado durante o período em que trabalhou na CUF, MLP abraçou o repto. E nasce, ainda em 1970, o Grupo de Trabalho para a Definição de uma Política Nacional Global acerca da Mulher, momento embrionário da CCF. Constituído por um muito pequeno conjunto de empenhadas mulheres, de diferentes ministérios e atentas ao que se ia passando cá dentro e lá fora, no que aos movimentos de mulheres diz respeito. Os resultados devem ter superado as expetativas porque o grupo transforma-se em Grupo de Trabalho para a Participação das Mulheres na Vida Económica e Social, está-se em Maio de 1971. Unidas numa causa não falada, mas sentida, a equipa aumenta, o âmbito da sua intervenção alarga-se, os resultados surpreendem e, em 1973, é criada a Comissão para a Política Social Relativa à Mulher que tem já no horizonte: regionalizar, transversalizar e fugir ao (exclusivo) âmbito do trabalho.
Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 surge a oportunidade destas matérias ganharem legitimidade.
MLP, que se manteve sempre como motor dos diferentes grupos, é agora Ministra dos Assuntos Sociais e faz nascer a Comissão da Condição Feminina (CCF), ainda em regime de instalação, em fevereiro de 1975 (Decreto-Lei 47/75, 1 fevereiro). O reconhecimento deste papel será expresso em diferentes iniciativas que a CIG irá desenvolver em sua homenagem.
Inicia-se um levantamento das discriminações de que as mulheres eram alvo e por iniciativa da CCF surgem as primeiras medidas legislativas para as reverter, desde logo através do texto da Constituição aprovada em 1976. Igualmente, com grande envolvimento da Comissão, introduzem-se, em 1977, alterações importantes no Código Civil (Direito da Família), que tiveram reflexos concretos no quotidiano das portuguesas.
MLP sabia que as Organizações Não Governamentais (ONG) não podiam ser ignoradas, pois tinham a experiência do “terreno”. Embora, praticamente inexistentes (o Estado Novo não as permitia, é só depois do 25 de Abril que se adquire o direito ao associativismo) são convidadas a participar na muito jovem CCF. E assim, parte daquele trabalho foi feito em parceria com as ONG, cujo papel passou a ser formalmente reconhecido aquando da institucionalização da CCF, que se dá, finalmente, em 1977. Aqui, nasce o seu Conselho Consultivo que contava, igualmente, com uma Secção Interministerial.
No pós 25 de Abril, Portugal viveu um período de autoconhecimento e de alargamento de fronteiras. Acompanhando esta onda, e sob o lema “Cooperar, Divulgar e Intervir”, a CCF teve a oportunidade de investir no esclarecimento das mulheres sobre os seus direitos a diferentes níveis: na família, educação, trabalho e saúde, aqui com o esclarecimento do seu direito ao planeamento familiar. Intervenção, essa, que percorreu o país através de diversos meios. Para esta ação muito concorreu a atividade editorial, em que a CCF apostou desde o seu início.
Também neste período realizou-se a I Conferência Mundial sobre as Mulheres, das Nações Unidas, dando inicio à Década da Mulher, em que a CCF participou com uma delegação oficial tomando contacto com as grandes tendências internacionais. A recolha de documentação propiciou o nascimento em Portugal do primeiro centro de documentação especializado na área da Igualdade entre Mulheres e Homens.
Será na década de 1980 que a CCF protagonizará um conjunto de iniciativas pioneiras no país, de que se destacam os Seminários “Estudos Sobre a Mulher” (1983), “A Mulher e o Poder” (1985), “A Mulher e o Ensino Superior, a Investigação Científica e as Novas tecnologias em Portugal” (1986), “As Mulheres Agricultoras Portuguesas” (1987). E também têm início diversos projetos em áreas identificadas como prioritárias: Educação, Intervenção a Nível Local, Tomada de Decisão, Formação para a Igualdade, sem abandonar a área crítica do Planeamento Familiar.
Paralelamente, a CCF dá continuidade e intensifica a sua representação em diversas instâncias internacionais: Comunidade Europeia, Conselho da Europa, Nações Unidas, em cujo Comité CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) defende os relatórios de Portugal.
No início da década de 1990, por um novo diploma orgânico, a CCF passa a CIDM (Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres), mantendo o seu Conselho Consultivo.
A CIDM vai continuar a apostar em projetos de intervenção nas áreas prioritárias, intensificando parcerias com a Academia, bem como toda a comunidade educativa, com o Poder Local, e com o seu Conselho Consultivo, nomeadamente com as ONG.
Prevalece a realização de seminários de reflexão sobre áreas estruturantes, como a maternidade os seus mitos e a realidade, os estudos sobre as mulheres, as questões da conciliação e da igualdade entre homens e mulheres no âmbito da União Europeia, indicadores para a igualdade, educação, etc..
Porém, há que destacar, pelo seu impacto, o Curso de Verão “Em Busca de Uma Pedagogia para a Igualdade”, realizado em Portugal (1994), e em Espanha (1995), focando as questões da coeducação. Igualmente, o congresso “O Rosto Feminino da Expansão Portuguesa” (1994), que reuniu, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, centenas de participantes oriundos de todos os continentes. Tema ainda hoje a merecer aprofundamento já que o papel das mulheres nos Descobrimentos continua a sofrer de invisibilidade. Salienta-se que os resultados de todas estas iniciativas estão acessíveis ao público através das suas publicações. De resto, a CIDM muito investiu na sua atividade editorial, criando, até, novas coleções, algumas que ainda hoje se mantêm.
Ainda nessa década, não se pode deixar de referir a realização da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, mais conhecida como Conferência de Pequim, em cuja delegação portuguesa a CIDM participou. Desta conferência resultou a “Plataforma de Ação de Pequim”, subscrita por Portugal e que continua a ser um dos instrumentos orientadores das políticas nacionais para a igualdade.
É também na década de 1990 que se investe no conhecimento sobre o fenómeno da violência contra as mulheres e a CIDM promove o primeiro estudo sobre esta área (CCF n.º 48). São igualmente aprovados os primeiros Planos: I Plano Global para a Igualdade e I Plano Nacional contra a Violência Doméstica.
No âmbito das questões da violência, a CIDM já tinha abordado o fenómeno da prostituição e do tráfico de mulheres para fins exploração sexual, o que conduziu à aprovação do I Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, já no novo milénio. É igualmente na primeira década de 2000 que Portugal toma consciência da existência no país de um grave atentado contra as mulheres, a Mutilação Genital Feminina. Esta tomada de consciência faz nascer o Programa de Acção para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina, no âmbito do III Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e Género (2007-2010).
Em 2007, a CIDM passa a CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. E, embora mantendo as duas seções originais do seu Conselho Consultivo, o novo diploma orgânico, acrescenta-lhe o Grupo Técnico-Científico, que é composto por personalidades com reconhecida competência científica nas áreas de atuação da CIG.
Durante a última década a Comissão, além de ter vindo a consolidar as áreas que sempre trabalhou, tem estado atenta a novas realidades sociais, e mantendo o seu caráter pioneiro, promovendo estudos e intervenções sobre aquelas realidades.
É assim que temas como o envelhecimento da população, com maior impacto sobre as mulheres, a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de género e a representação de mulheres na tomada de decisão, nomeadamente a económica, têm constituído novas prioridades presentes na agenda política e nas atividades da Comissão.
Com a chegada do ano 2000, com o início do Quadro Comunitário de Apoio III; e no âmbito do Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social, é alocado financiamento específico para uma Medida 4.4 – Acção Positiva para a Igualdade entre Mulheres e Homens – integrando na sua execução, a CIDM e a CITE. Assim, nasce na CIDM a estrutura Sistema de Apoio Técnico e Financeiro às ONG.
Com a emergência do QREN, a CIG, enquanto Organismo Intermédio com Delegação de Competências do Programa Operacional Potencial Humano (POPH), passa a ser responsável pela gestão Eixo 7 – Igualdade de Género, nascendo, assim, o Secretariado Técnico para a Igualdade (STI). Presentemente, a CIG mantem as competências de gestão no âmbito do Portugal 2020 para as questões da Igualdade, tendo sido criada a Estrutura de Missão para a Igualdade de Género (EMIG).
A CIG foi igualmente designada como Operador de Programa da Área Programática sobre “A Integração da Igualdade de Género e a Promoção do Equilíbrio entre o Trabalho e a Vida Privada”, financiado pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu – EEA Grants.
Apesar da sua longevidade, a CIG tem ainda muito a fazer, uma vez que os resultados internos ainda estão muito aquém dos desejados. Os princípios da igualdade estão adquiridos na lei, bem como nos grandes tratados internacionais, mas o que falta é o seu conhecimento e a sua apropriação quer por mulheres, quer por homens, tanto em Portugal como por esse mundo fora.