Presidente da CIG fala sobre a saúde da mulher na revista País Positivo
A Presidente da CIG, Sandra Ribeiro, foi desafiada pela revista País Positivo a falar sobre a saúde da mulher e as desigualdades que ainda existem na área da Medicina, num artigo que se transcreve abaixo.
“Aos 24 anos sofri um grave acidente de viação. Fiquei 2 meses internada num hospital. Salvaram-me a vida e sem sequelas. Fiquei tão impressionada com os tratamentos médicos que recebi que, na altura, acabada de me licenciar em Direito, ainda cogitei seriamente seguir Medicina.
Particularmente, e, claro, a partir desse episódio, sempre respeitei a Medicina, sempre a entendi como a arte de desvendar os mistérios do nosso corpo e compreender o seu funcionamento – uma ciência baseada nos princípios da evidência e imparcialidade.
Enquanto paciente, precisamos que os médicos e médicas que consultamos nos ouçam e cuidem de nós como pessoas – qualquer pessoa, independentemente de ser homem, mulher, de identidades de género, cor da pele, credos ou religião.
Como em qualquer área, também a Medicina não é isenta de preconceitos e discriminações, e carrega às costas o fardo da história.
A história da doença é tão social e cultural quanto científica. É uma história de pessoas, dos seus corpos e das suas vidas, e não apenas de médicos, cirurgiões, investigadores; foi sendo influenciada pelo exercício do poder e evoluindo à boleia das mudanças sociais.
Há que dizer: a desigualdade de género também tem marcado presença na história da evolução da medicina, no conhecimento sobre as doenças e no acesso à saúde. Historicamente, as mulheres foram subordinadas na política, riqueza, trabalho e educação. O domínio masculino – e com ele a superioridade do corpo masculino – foi cimentado nos próprios fundamentos da medicina estabelecidos na Grécia antiga.
No século III AC, Aristóteles descreveu o corpo feminino como o inverso do corpo masculino, com sua genitália “voltada de fora para dentro”. Segundo esta teoria, as mulheres eram condicionadas por esta diferença anatômica dos homens e medicamente definidas como defeituosas.
Contudo, as mulheres também sempre foram identificadas como fisicamente muito relevantes, pois possuíam um órgão do mais alto valor biológico e social: o útero. E foi o facto de possuírem esse órgão que fundamentou o propósito ancestral das mulheres: gerar e criar filhos.
Durante muitos séculos, o conhecimento sobre a biologia feminina centrou-se na sua capacidade – e dever – de gerar vidas e as carregar na barriga e alimentar. Quanto às doenças e enfermidades das mulheres, era comum serem entendidas como consequências dos “segredos” e “curiosidades” dos seus órgãos reprodutivos.
Hoje, podemos dizer que alguns desses mitos estão arraigados como preconceitos, ainda suscetíveis de impactar negativamente no cuidado, no tratamento e o diagnóstico de doenças em mulheres.
Por exemplo, os dados registados na União Europeia confirmam a existência de diferenças de género na saúde em prejuízo das mulheres no que diz respeito à dor crónica, doenças psiquiátricas e doenças crónicas.
Na verdade, muitas pesquisas continuam a afastar as mulheres de estudos e ensaios clínicos. A justificação é de que as hormonas femininas oscilam demasiado nos ciclos menstruais e podem perturbar a consistência dos resultados. Na prática, tal entendimento pode originar lacunas de conhecimento, nomeadamente sobre como alguns medicamentos são suscetíveis de agir de forma diferente em homens e mulheres, o que se acentua quando se trata de mulheres em idade fértil.
É por isso fundamental instituir de forma generalizada práticas sensíveis ao género na pesquisa e desenvolvimento global da saúde, pois só assim a igualdade de tratamento entre homens e mulheres pode efetivamente ser garantida.”