Evocar os 46 anos do 25 de abril
Ao celebrarmos a revolução de 25 de Abril, ocorrida exactamente há 46 anos, não podemos esquecer que celebramos também a finalização de uma guerra injusta para com milhares de pessoas, homens, mulheres, portugueses, africanos. Uma guerra de mais de uma década, em que muitas pessoas foram obrigadas a participar, que modificou radicalmente a vida de mulheres e de homens nela envolvidos.
“Carta de um soldado chamado António para uma rapariga chamada Maria […]
[…] Eu no momento actual estou bem, graças a Deus junto de todos os meus camaradas menos do Júlio da Tia Maria Ana […] que ele está no hospital sem uma perna e não sei o que vai ser dele quando regressar ao Carvalhal pois para o amanho da terra uma perna faz falta e ele não sabe fazer outra coisa e não tem ofício de nada e tão apegado está ao desespero por isso que chora todo o dia e toda a noite sem tino e quando fala é só para lembrar o que se passou.
[…] Menina Maria o destino desta carta é pois pedir […] se a menina queria ser minha madrinha de guerra.
[…] A verdade menina Maria é este medo que a gente apanha quando para cá vem e não nos larga mais sempre a gastar o peito da gente. A coragem é pouca e fácil para quem está longe e não ouve os tiros à roda do corpo à porfiade matar a vida de um homem.
Muitos já eu vi vomitarem agachados e deitarem-se no chão tão brancos como papel e termos de os arrastar à força para os tirar dali.
É por tudo isto e pela tristeza que isto faz que preciso de umas cartas de ânimo e assim pensei que a menina Maria não se importasse de me escrever e podíamos contar das nossas vidas que a da menina a servir também não deve ser muito alegre.
António Mourinhas, 19/6/71” in “Novas Cartas Portuguesas” – Edição anotada, Lisboa, Publicações D. Quixote e autoras, 3.ª edição anotada, 2017, pp218-219.