Violência Sexual em conflitos armados: um crime que permanece
A ONU verificou mais de 3,6 mil casos de violência sexual durante guerras em 2023. Um crime que permanece “cronicamente subnotificado e historicamente oculto”.
A 19 de junho, assinala-se, anualmente, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em Conflito. Instituído em 2015 (Resolução 69/293), 2024 foca-se nos cuidados de saúde. «Os hospitais e outras instalações de saúde devem ser faróis de segurança e cura para todos os feridos em conflitos, incluindo os sobreviventes da violência sexual. Estes são princípios fundamentais do direito humanitário internacional.»
O objetivo deste Dia é o de alertar, e consciencializar, para a necessidade [urgente] de colocar termo a este tipo de crimes. Procura, igualmente, evidenciar a frequente impunidade de agressores na violência sexual.
«O recurso à violência sexual enquanto tática de guerra, tortura e repressão é comum nos conflitos e afetam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo.» (Secretário Geral da ONU, 2023).
Em Relatório apresentado, em abril último, ao Conselho de Segurança revela que 2023 teve um “aumento dramático” de 50% de casos de violência sexual em conflitos em relação a 2022. Cerca de 95% dos casos envolveram mulheres e meninas. Em 32% das situações as vítimas foram crianças. Foram, ainda, identificados 21 casos que tiveram como alvo lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer e intersexuais.
O termo violência sexual em conflito refere-se a: violação, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, aborto forçado, esterilização forçada, casamento forçado e qualquer outra forma de violência sexual de gravidade comparável perpetrada contra mulheres, homens, raparigas ou rapazes que esteja direta ou indiretamente ligada a um conflito (que pode não ter as características clássicas de “guerra”).
Muitas vezes, em diversas regiões do mundo, grupos armados usam a violência sexual como uma forma de exploração para financiamento das suas atividades. Nesses casos, as vítimas (geralmente mulheres e crianças), são forçadas a exercerem prostituição, numa lógica de escravidão sexual, obtendo esses grupos armados, e por via dessa atividade exploratória, recursos financeiros para sustentar as suas atividades militares. O recurso a essas atividades lucrativas, por via de exploração sexual e tráfico de mulheres e crianças, alia-se igualmente, por vezes, a fenómenos de tráfico de droga.
A violência sexual em contexto de conflito armado assume-se como mais um elemento de um vasto arsenal de guerra que tem impacto em especial entre as populações civis e, mais concretamente, entre mulheres e crianças.
Tem como práticas/atos que não são isolados ou pontuais, mas fazendo parte de um padrão perfeitamente organizado, generalizado, sistemático, racional e metódico.
A violência sexual é usada como mais uma arma de guerra, para enfraquecer e ganhar controlo sobre as comunidades, punir ou destruir um grupo específico. Neste âmbito, pode ser cometido como uma estratégia para promover objetivos militares, para amedrontar reféns, instilar o terror, assumir-se como forma de retaliação ou fazer parte de um processo dirigido contra uma população civil ou, em situações extremas, como atos de genocídio.
Em centros de detenção, prisões e interrogatórios pode ser usada como método de tortura, punição, humilhação, intimidação ou coação, de forma a obter informações.
A violência sexual em conflito é uma violação do direito internacional, um crime de guerra, um crime contra a humanidade.
Salienta-se, ainda, que tais processos podem ter, igualmente como objetivo, o reforço de camaradagem, recompensa ou por vezes, até como forma de rito de iniciação entre os militares.
Mais uma vez se deteta nestas práticas, a forte componente de género associada a esta feroz realidade, uma vez que não só os alvos preferenciais de tais métodos de guerra são, na maioria das vezes, perpetrados contra mulheres e crianças, como tais práticas reforçam os papéis de masculinidades mais vis e primitivas que ainda grassam na nossa sociedade global.
Pramila Patten, representante especial do secretário-geral para a Violência Sexual em Conflitos, realçou que as armas continuam abundantes nas mãos dos autores desses delitos e que a maioria das vítimas não têm acesso a medidas de reparação. Para além de ter alertado para a barbaridade da situação sublinhou que «embora o relatório transmita a gravidade e a brutalidade destas ocorrências, (…) não reflete a escala global ou a prevalência daquilo que é um crime “cronicamente subnotificado e historicamente oculto”». Os dados apresentados referem-se a Israel e Gaza, Sudão, Ucrânia, Haiti, Mianmar e a República Democrática do Congo. https://news.un.org/pt/story/2024/04/1830716