II Fórum Nacional IDAHOT: Poder local é ator chave nos direitos das pessoas LGBTI+
As autarquias, por serem as entidades que trabalham mais perto com as pessoas, são um elemento-chave na delineação e implementação de políticas públicas que promovam e garantam os direitos das pessoas LGBTI+.
Esta é a principal conclusão a retirar do II Fórum Nacional IDAHOT, subordinado ao tema “Políticas Locais de promoção e defesa dos Direitos Humanos das pessoas LGBTI+”, que se realizou no dia 17 de maio, no Espaço + Grijó, em Vila Nova de Gaia.
Organizado pela Comissão para a Cidadania e para a Igualdade de Género e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, o evento juntou pessoas da política, da academia e da intervenção social que, em conjunto, debateram a importância de uma estratégia de intervenção mais próxima das pessoas.
A sessão contou com a intervenção da Ministra da Juventude e da Modernização, Margarida Balseiro Lopes, que destacou o reforço das estruturas de apoio às pessoas LGBTI+.
Margarida Balseiro Lopes: “Combate às discriminações é um compromisso do Estado português e é também um dever moral da sociedade”
Garantindo o compromisso de “promover um maior entendimento sobre as necessidades e dificuldades reais das pessoas LGBTI”, a governante destacou duas áreas que vão merecer uma intervenção urgente por parte do Governo.
“Em primeiro lugar vamos fortalecer as respostas nas estruturas de acolhimento das pessoas LGBTI, garantindo que sejam espaços seguros e inclusivos”, enquanto na área da saúde, “estamos a finalizar a revisão da norma que vai permitir um percurso de cuidados integrados para pessoas transgénero, e de género diverso”.
Reconhecendo que a discriminação “persiste em diversos setores da sociedade, desde o ambiente familiar, na escola, até no acesso aos cuidados de saúde e aos serviços públicos”, a ministra afirmou que o “combate às discriminações é um compromisso do Estado português e é também um dever moral da sociedade”.
A governante enfatizou que ainda há “muito a fazer ao nível dos serviços públicos, nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde”, realçando que o acesso, “para as pessoas trans, continua a apresentar inúmeros obstáculos devido à falta de formação dos profissionais de saúde, sobre as necessidades específicas das pessoas LGBTI+”.
Marina Mendes: “Vila Nova de Gaia assume-se com um local de excelência para viver em igualdade”
Representando a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a Vice-presidente Marina Mendes. começou por assumir o concelho como “um local de excelência para viver em igualdade”, lembrando que o município tem “Plano Municipal para a Igualdade em execução, que inclui um plano de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual. Identidade e expressão de género e características sexuais”. Sublinhou ainda a importância do evento para a busca de “soluções eficazes” que contribuam “para a construção de comunidades mais inclusivas e igualitárias”.
Marina Mendes afirmou a necessidade de “trazer para a discussão pública todas as matérias que digam respeito aos direitos humanos”, considerando que “as autarquias são essenciais na descentralização de políticas públicas por estarem mais perto das pessoas e assim poderem dar uma melhor resposta às suas necessidades e expetativas”.
Por fim, a autarca afirmou que o Fórum “marca um importante passo em direção à construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todas as pessoas” e desejou que a partilha de ideias, experiências e estratégias possam promover a igualdade e a diversidade nas nossas comunidades locais”.
Jorge Gato: “Devemos estar orgulhosos, como país, dos avanços legais que conquistamos nos últimos anos”
O primeiro painel da tarde foi assegurado por Jorge Gato, investigador e docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, que partilhou com as pessoas presentes o conhecimento acumulado sobre a realidade da vida das pessoas LGBTI+ em Portugal.
Começando por abordar a vertente legislativa, o docente sublinhou que “devemos estar orgulhosos, como país, dos avanços legais que conquistamos nos últimos anos”, recordando que Portugal foi o primeiro país da Europa, e o 4º do mundo, a proibir constitucionalmente a discriminação com base na orientação sexual. “Está na altura de também incluir na Constituição a não-discriminação em função da identidade de género”, acrescentou.
Sobre a evolução do clima social, Jorge Gato destaca que Portugal está “sistematicamente acima da média europeia” no que diz respeito, por exemplo, à aceitação do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou das pessoas transgénero ou transexuais poderem mudar os seus documentos de identificação de acordo com a sua identidade de género.
Jorge Gato elencou ainda alguns dados referentes ao inquérito da European Union Agency for Fundametal Rights, divulgado em 2020, destacando que 65% das pessoas LGBTI+ inquiridas nunca ou raramente expõe a sua orientação sexual ou identidade género, o que apenas aumenta a sua invisibilidade.
Por fim, o investigador recorreu ao “Estudo nacional sobre necessidades das pessoas LGBTI e sobre a discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e caraterísticas sexuais”, publicado pela CIG, em 2022, para deixar algumas recomendações em termos de políticas públicas.
Focando essencialmente as recomendações em matéria de territorialização, o investigador apontou como principais:
- Incentivar a criação de Planos Municipais LGBTI+, à semelhança da boa prática que constitui o I Plano LGBTI+ do Município de Lisboa;
- Incentivar a assunção das políticas e medidas de combate à discriminação em função da OIEC pelos municípios, nomeadamente aumentando o grau de exigência dos indicadores relativos à OIEC nos Planos Municipais para a Igualdade e respetiva monitorização e fiscalização do seu cumprimento;
- Disseminar e incentivar as boas-práticas dos municípios em matéria de OIEC
- Incentivar/apoiar as Marchas do Orgulho em todo o país, e articulação com as associações LGBTI+ e os respetivos municípios;
- Garantir a existência de uma resposta de atendimento especializada para a população LGBTI+ em todos os distritos do país, em colaboração com as Comunidades Intermunicipais, os municípios e as associações LGBTI+.
Mesa-redonda: Políticas Locais de promoção e defesa dos Direitos Humanos das pessoas LGBTI+
Com moderação da jornalista Ana Tulha, realizou-se de seguida uma mesa-redonda subordinada ao tema “Políticas Locais de promoção e defesa dos Direitos Humanos das pessoas LGBTI+”.
Sandra Ribeiro: “As políticas locais são fundamentais em todas as áreas”
Realçando que “as políticas locais são fundamentais em todas as áreas”, a presidente da CIG recordou que a “Estratégia Nacional para a Igualdade e Não-discriminação tem a territorialização como uma das suas diretrizes principais”, considerando que este é o “reconhecimento de que é a nível local, pela proximidade, que se está mais bem posicionado para saber o que as pessoas necessitam”.
Sandra Ribeiro destacou a importância dos Planos Municipais para a Igualdade na execução da Estratégia Nacional e elencou algumas boas práticas, como é o caso do Município de Lisboa, que “tem um plano específico para a promoção dos Direitos Humanos pessoas LGBTI+ e criou um bolsa de habitação para pessoas Trans vítimas de violência”.
Salientando a necessidade de comunicar o que é feito nesta matéria, a presidente da CIG referiu que “a Comissão está neste momento a trabalhar num sistema de recolha de indicadores junto dos municípios, que vai permitir mapear e dar a conhecer as boas práticas que já existem em todo o país”.
Susana Lacerda: Vila Nova de Gaia vai “ter embaixadores/as para a igualdade em cada um dos agrupamentos e escolas não agrupadas”
Outra das intervenientes no painel foi a Chefe da Divisão da Ação Social da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que elencou algumas das iniciativas que a autarquia tem vindo a desenvolver nesta área, inseridas no seu Plano Municipal.
Ao nível da educação, Susana Lacerda salientou a vontade da autarquia em “ter embaixadores/as para a igualdade em cada um dos agrupamentos e escolas não agrupadas com formação específica para desenharem projetos centralizados nas necessidades de cada estabelecimento de ensino, para que os alunos e as alunas possam sentir que há espaços seguros na escola onde podem abordar os seus problemas.”
Destacou ainda a aposta que tem sido feito na “capacitação da comunidade escolar” no sentido de “saberem qual o papel que têm de desempenhar para que as escolas sejam um porto seguro para todas as pessoas”, bem como no “reforço dos estabelecimentos de ensino com equipas específicas de psicólogos e educadores sociais”.
Jorge Gato: “O progresso é visível, mas quando ouvimos as pessoas percebemos que há ainda um caminho enorme para percorrer”
A mesa-redonda contou ainda com a intervenção de Jorge Gato que, elogiando a iniciativa de designar embaixadores/as nas escolas, recorreu aos exemplos dos Estados Unidos e dos Países Baixos para realçar a importância da criação destes grupos de jovens.
O investigador afirmou que “nos estados dos Estados Unidos onde há este tipo de clubes, os estudos demonstram que existe impacto nas tentativas de suicídios”. “O bem-estar das pessoas LGBTI+ não é só uma questão de saúde mental, é uma questão de saúde pública”, reforçou.
Sobre o atual panorama, Jorge Gato afirmou que “o progresso é visível, mas quando ouvimos as pessoas percebemos que há ainda um caminho enorme para percorrer, o sofrimento ainda é muito grande”.
Painel: Prevenção do bullying contra crianças e jovens LGBTI+
O evento prosseguiu com o painel sobre “Prevenção do bullying contra crianças e jovens LGBTI+”, que contou com a participação da Associação Plano i, da Associação Tudo Vai Melhorar, da Associação com Alma e da Casa do Povo de Fermentões.
Catarina Moreia, da Gentopia, moderou este painel, no qual foi abaordada a importância do poder local no desenvolvimento das suas atividades, tendo Sofia Costa, da Associação Plano i, realçado o apoio da Câmara Municipal de Matosinhos, com quem “vamos mantendo uma estreita colaboração, não só pela cedência do espaço, mas também no trabalho em si”.
Por sua vez, Inês Gonçalves, do Projeto Bússola, integrado na Casa do Povo de Fermentões, destaca o apoio das autarquias de Esposende e de Vizela, considerando que “sem o poder local fica difícil projetos como os nossos sobreviverem. Para além do nosso trabalho, também é preciso que o poder local intervenha e promova políticas de inclusão, igualdade e diversidade”.
Já Lucas Sampaio, da Associação Tudo Vai Melhorar, afirmou que “precisamos de estar mais próximos dos locais. No nosso caso, são essenciais os apoios da Câmara do Porto e do IPDJ, mas o trabalho que concretizamos é nas escolas e nesse sentido precisamos que as escolas cheguem até nós ou nos queiram receber”.
No que se refere à Associação Com Alma, Catarina Marques, referiu que “a nossa associação só consegue subsistir com ótimo apoio da Câmara Municipal de Matosinhos, tendo o espaço que nos cedeu servido de alavanca para começar”.
As associações elencaram ainda as dificuldades que vão sentindo no seu dia-dia, apontando a necessidade de reforçar os recursos humanos, atendendo ao número de pessoas a necessitar de apoio, e de financiamentos mais estáveis.
Abordaram ainda o importante trabalho que têm promovido nas escolas, onde se verifica, no entanto, “algumas resistências por parte da direção e do corpo docente”, como referiu Sofia Costa.
“Nas ações que dinamizamos nas escolas, muitas vezes, as direções não estão representadas”, lamentou Inês Gonçalves, acrescentando que existe “as próprias escolas resistem em receber iniciativas de capacitação sobre as temáticas OIEC, por receio da reação dos encarregados de educação”.
Noutro âmbito, Lucas Sampaio afirmou que “é preciso dar mais visibilidade ao trabalho que as organizações estão a fazer, porque as pessoas não sabem e não podemos contar que venham à procura”, enquanto Catarina Marques referiu que “precisamos de pessoas LGBTI+ a decidir sobre os seus próprios corpos, não podemos ter apenas pessoas hétero-cis-normativas a decidir o que é bom ou mau para elas”.
Matosinhos vai receber o III Fórum Nacional IDAHOT, a realizar em 2025
A cidade de Matosinhos vai acolher e realizar, em parceria com a CIG, o próximo Fórum Nacional, cujo tema será anunciado em tempo.
Miriam Silva, em representação da Câmara Municipal de Matosinhos, recebeu das mãos da Presidente da CIG a bandeira que irá hastear no dia 17 de maio de 2025.
Na intervenção de encerramento do Fórum, a presidente da CIG destacou os projetos desenvolvidos pela autarquia de Vila Nova de Gaia, que considera ser “uma inspiração para os outros municípios”.
Sandra Ribeiro afirmou de seguida que este é o “dia de recordar o muito que deixamos por fazer e que devíamos ter feito mais cedo para proteger um grupo de pessoas cujos direitos ainda são hoje negados em muitas partes do mundo”
A presidente da CIG defende que “temos de aprender a comunicar de forma mais eficaz, de desmontar os discursos anti género de uma forma inteligente”, algo que que passa por “discutir de forma assertivo os medos, receios e preocupações” dos movimentos que os proferem.
“Os movimentos da sociedade civil sabem que quando qualquer parte da humanidade é posta de lado, os restantes não lhes podem virar as costas”, concluiu.