Visibilidades lésbicas – interseções entre género e orientação sexual
As (in)visibilidades lésbicas podem ser analisadas em diversos níveis, na vida quotidiana das mulheres lésbicas, nas políticas de igualdade, e no ativismo LGBTI.
O termo ‘lésbicas’ é utilizado neste texto para identificar as mulheres cisgénero ou transgénero que se envolvem em relacionamentos sexuais/emocionais com outras mulheres. As lésbicas constituem um grupo heterogéneo com diversas experiências e expectativas, que vivem em contextos socioeconómicos distintos, mas que apresentam alguns aspetos comuns, como o facto de serem mulheres e viverem num contexto social que discrimina em função da orientação sexual.
Ao nível da vida quotidiana das mulheres lésbicas a invisibilidade ainda é uma realidade. Nos resultados do inquérito da European Union Fundamental Rights Agency – FRA (2020) podemos constatar que as mulheres lésbicas em Portugal evitam ser visíveis em relação à sua orientação sexual com a família (35%), nos transportes públicos (41%), e no local de trabalho (44%). Mesmo em países como Portugal, com legislação que promove a não discriminação em função da orientação sexual, existe um contexto generalizado de heteronormatividade em que as demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo não são aceites ou respeitadas nos espaços públicos. Num contexto de discriminação social a invisibilidade é uma opção comum, e 49% das mulheres lésbicas afirmam que sempre ou quase sempre evitam ter comportamentos afetivos com outra mulher em espaços públicos, como por exemplo dar as mãos (FRA, 2020).
Num contexto de heteronormatividade nos espaços públicos, em que as/os heterossexuais cisgénero não se sentem constrangidas/os na expressão pública da sua identidade sexual, as lésbicas estão permanentemente conscientes de que os seus comportamentos podem tornar visível a sua orientação sexual, levando a uma constante autovigilância e a uma noção interiorizada da discriminação dominante nos espaços públicos. Esta constante autovigilância das lésbicas nos espaços públicos pode levar a sentimentos de distanciamento, desconforto e não pertença, com efeitos negativos na sua qualidade de vida. Uma das formas de discriminação social mais comum é a forte pressão da sociedade para confinar e esconder as sexualidades lésbicas dentro de espaços privados.
As políticas que promovem a igualdade em função da orientação sexual são fundamentais para a qualidade de vida das pessoas LGBTI. No entanto, estas políticas, em geral, reforçam a dicotomia heterossexual/homossexual e subestimam as assimetrias de género. A maioria das reivindicações de igualdade em função da orientação sexual e pelo direito à cidadania sexual reduzem as diversidades sexuais e de género a uma categoria generalista LGBTI, que normalmente leva à invisibilidade das lésbicas (Ferreira, 2022). Como exemplo, temos a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação (ENIND) que embora defina como uma das suas linhas transversais a intersecionalidade, inclui três Planos de Ação que não cruzam o género e a orientação sexual. Nos Plano de Ação que definem objetivos estratégicos e específicos em matéria de não discriminação em razão do sexo e igualdade entre mulheres e homens (IMH), e de prevenção e combate a todas as formas de violência contra as mulheres, violência de género e violência doméstica (VMVD), nunca são identificadas questões relacionadas com orientação sexual, e no Plano de Ação que define objetivos estratégicos de combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género, e características sexuais (OIEC), não são identificadas questões relacionadas com a desigualdade de género. É necessária uma abordagem que reconheça que o género continua a ser um eixo central de desigualdade, e que saliente os aspetos específicos do facto de as lésbicas serem mulheres que vivem num contexto social de desigualdade de género.
Os movimentos associativos são elementos fundamentais na produção da mudança social, e no caso particular dos direitos das lésbicas em Portugal é importante realçar o trabalho realizado por grupos informais e associações. Nos meados da década de 1990 surgiram em Portugal diversas associações que deram origem ao movimento LGBTI em Portugal. Entre as associações LGBTI emergentes da década de 1990 está o Clube Safo, que surgiu como um grupo assumidamente lésbico, na própria designação e na sua constituição. Foi um marco fundamental para a visibilidade lésbica. Foi a primeira vez que de uma forma consistente e continuada algumas mulheres publicamente se assumiram como lésbicas e adotaram uma postura de defesa dos direitos das lésbicas com intervenção social e política visível.
Embora exista, desde meados de 1990, um ativismo lésbico consistente e sustentável em Portugal, este não conseguiu alcançar um nível de visibilidade que lhe permitisse assegurar uma intervenção política autónoma, capaz de influenciar a agenda das questões sociais, políticas e legais, nem de centrar o debate sobre as prioridades que se relacionam principalmente com as mulheres e o lesbianismo (Ferreira, 2014).
Alguns dos fatores que contribuem para a situação de invisibilidade de uma ação coletiva autónoma lésbica em Portugal são razões históricas relacionadas com os 48 anos de opressão política, o conservadorismo católico na área dos direitos sexuais e reprodutivos, o atraso nos direitos de cidadania sexual e íntima que caracterizam a sociedade portuguesa contemporânea, bem como razões socioculturais que remetem as mulheres para a esfera privada e promove a ação dos homens na esfera pública (Santos, 2012).
As (in)visibilidades lésbicas só podem ser entendidas numa abordagem que integre as questões relacionadas com a orientação sexual num contexto de desigualdade de género.
Browne, K., Ferreira, E. (Eds.) (2015). Lesbian Geographies: Gender, Place and Power. London: Routledge.
Ferreira, E. (2014). Lesbian Activism in Portugal: Facts, Experiences, and Critical Reflections. Lambda Nordica, 2, 53-82.
Ferreira, E. (2022). Equality policies and intersections of gender and sexuality: the role of academic research. MultidisciplinaryJournal of Gender Studies,11(1),49-71.
FRA – European Union Agency for Fundamental Rights (2020). European Union Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender Survey. Recuperado de https://fra.europa.eu/en/publication/2020/eu-lgbti-survey-results.
Santos, A. C. (2012). Social Movements and Sexual Citizenship in Southern Europe. Basingstoke: Palgrave-Macmillan.
*Psicóloga educacional e investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Socias da FCSH/NOVA