D. Quixote reedita “Ema” de Maria Teresa Horta
É no ambiente castrador da casa, que Ema deambula todos os dias, “entre o querer e o obedecer, entre o amor e o ódio”. Ema nunca é só Ema. Podia ser a avó que foi assassinada pelo avô, ou a mãe que foi internada num hospital psiquiátrico pelo pai. Aquela casa é o palco da opressão masculina sobre os universos femininos, que se querem anulados, até ao nada. O livro “Ema”, cuja 1.ª edição é de 1984, foi agora reeditado pela D.Quixote, lembrando que a luta pela igualdade de género ainda está longe de ser alcançada.
Em “Ema” há uma mulher (ou serão várias?) que quer ter identidade social, quer deixar marcas da sua existência, além das fronteiras do lar. “As tardes, as manhãs por minha conta, disse-te, lembras-te? Deixa que eu saia e saiba o que quero. Ganhar dinheiro não é nenhum mal, pecado. Sufoco nestes quartos, neste luxo dormente. Nesta estagnação de alma e de corpo. E tu bateste-me atirando-me sobre a cama (…)”, diz a personagem da obra, rebelando-se contra as normas sociais que a querem colocar na invisibilidade, voltada para uma maternidade que repugna, e longe dos livros da biblioteca de casa (que lhe é interdita pelo marido).
Durante a apresentação do livro, a 16 de fevereiro, na Livraria Buchholz Leya, em Lisboa, Maria Teresa Horta apontou que “Ema é nada. Ema é coisa nenhuma. Na verdade, Ema – ela mesma – nem sequer sabe se existe ou se não passa, somente, de uma ideia difusa, de um sonho sonhado; ou mesmo se não será apenas o seu próprio abismo, onde em si mesmo se perde, à medida que as horas, os dias, os anos passam, um após outro, após outro, após outro”. Ema será o nome de todas as mulheres que, de geração em geração, século após século, procuram ser, mas permanecem, segundo as palavras da autora, “varridas da memória dos tempos”. Mulheres “cristalizadas, numa lentíssima e secular aprendizagem de aniquilamento feminino, destituídas de identidade própria. Sobretudo isso: mulheres vezes nada, vezes nada, vezes nada; cruelmente nada. Como escrevi repetidamente em ‘Ema’: «Prudentemente. Não vá ficar alguma marca da tua passagem por aqui. Algum vestígio»”, leu Maria Teresa Horta, no encerramento da sessão de apresentação desta sua obra.